quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Ermida de Vale de Flores

Há um documento da Comenda de Balasar, de 1608, fala da Ermida de Vale de Flores, referindo-se sem dúvida à ermida de Nossa Senhora das Neves:

[…] daí (a delimitação de Balasar) continua até às Bouças da Ermida de Vale de Flores, que são da Quinta de Cavaleiros, partindo sempre até aqui com o limite da freguesia de S. Miguel de Arcos. Das ditas Bouças da Ermida de Vale de Flores, vai ter à congostinha de Vale de Flores; daí continua à Bouça de Guisouce, águas vertentes; daí às Pedras Brancas; e daí às Bouças das Ameixieiras, que chamam do Cerquido e são de Joaquim Fernandes, do lugar de Corvos, freguesia de Bagunte, partindo sempre até aqui com o limite desta freguesia de Bagunte.

Sendo assim, poder-se-ia deduzir que a ermida viria porventura de cerca de 1600, certamente de um pouco antes.
Isto situava a sua construção numa data que não deve ser muito distante da da capela que os Ferreiras de Eça possuíram no Convento da Encarnação (ou de S. Francisco), em Vila do Conde, nem muito distante também da reconstrução do palácio de Cavaleiros, no Outeiro Maior. Isto é, num momento em que a atenção desta família ao Outeiro Maior terá sido particularmente intensa.
Ilustração 5 Imagem da Citânia de Bagunte
Em 1758, o pároco de Bagunte afirmou sobre a Senhora das Neves que ficava em “deserto”, onde só existia “um caseiro da Quinta de Cavaleiros”; que a administração da ermida pertencia a essa casa e que “o seu actual administrador é Gregório Ferreira d’Eça, fidalgo da Casa de Sua Majestade; e no dia quinto de Agosto, em que se festeja a mesma Senhora, concorre um numeroso convento de gente das freguesias circunvizinhas, que me dizem são umas vinte, e cada uma faz a sua procissão de preces, e querem sejam votos antigos a que indispensavelmente há-de assistir uma pessoa de cada casa e, faltando, o juiz do subsino os condena”.
A palavra deserto tem aqui um significado que se deve precisar: o local era deserto por não haver moradores, excepto o tal caseiro, e não haveria qualquer pinheiro nas redondezas, embora pudessem existir algumas outras árvores, mas de menor porte[1]. A casa do caseiro da Quinta de Cavaleiros e até os originais topónimos das redondezas podem indicar que noutros tempos aí tivessem existido outras casas, ao modo do que aconteceu na Vila de Gacim (Outeiro Maior), em Vila Pouca (Bagunte; este lugar simplesmente desapareceu) e talvez em Monte de Lobos. A frequência da ermida era enorme e antiga.
Como a administração da capela era da Quinta de Cavaleiros, não havia irmandade nem provavelmente escrituração.

Esta informação documentada, a lenda da aparição da Senhora, que aliás não é muito original, o facto de a capela ficar no sopé do monte da Citânia, a referência à água santa que se encontra à frente podem remeter para algo ainda muito mais distante, para a cristianização duma lenda anterior, pagã, como certamente aconteceu em Balasar com a Fonte de S. Pedro de Rates.


[1] A quem isso pareça estranho, recorda-se que existe uma pintura setecentista que mostra a Vila de Rates no meio duma paisagem cujos montes são todos carecas.

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